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Análise: filme sobre Bolsonaro e samba exaltando Lula falam à própria bolha e não atraem novos votos

© Foto / Rovena Rosa / Tomaz Silva / Agência BrasilO presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) - Sputnik Brasil, 1920, 18.12.2025
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Em entrevista à Sputnik Brasil, cientistas políticos consideram pouco provável que as duas produções alterem o cenário eleitoral e afirmam que, em ambos os casos, o impacto será restrito ao eleitorado que já tem o voto decidido.
A cultura promete ser um dos flancos das eleições de 2026, polarizadas entre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ala bolsonarista.
O ator e deputado Mario Frias (PL-SP), ex-secretário de Cultura no governo Bolsonaro, está promovendo o filme "Dark horse" (termo em inglês que significa "azarão", em tradução livre), uma biografia de Jair Bolsonaro (PL), a ser lançada no próximo ano, que mostra o ex-presidente como um herói nacional e se concentra na facada recebida durante um ato de campanha em 2018, pouco antes da eleição que o levou à Presidência.
Frias assina o roteiro do filme, que será gravado em inglês, dirigido pelo cineasta norte-americano Cyrus Nowrasteh e terá como ator intérprete de Bolsonaro o também norte-americano Jim Caviezel.
Em paralelo, a escola de samba Acadêmicos de Niterói, que estreia no grupo de elite no Carnaval de 2026, vai levar à Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro (RJ), um desfile biográfico sobre o presidente Lula, com um samba-enredo que exalta a trajetória política do presidente.
Intitulado "Do alto do mulungu surge a esperança: Lula, o operário do Brasil", o samba-enredo narra a história de vida de Lula, destacando a infância humilde em Garanhuns (PE), a migração para São Paulo com a mãe e os irmãos, a ascensão como líder sindical e a caminhada até a presidência da República.
À Sputnik Brasil, cientistas políticos analisam como o embate cultural pode impactar o pleito presidencial do próximo ano.
Cláudio Couto, cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), demonstra ceticismo quanto ao efeito do filme e do samba-enredo do ponto de vista eleitoral.

"Claro que isso vai ser algo comentado, vai ter algum impacto. Mas acredito que muito mais pelo ponto pitoresco, eventualmente, do que propriamente pela capacidade de comover as pessoas", afirma.

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Ele descarta a possibilidade de o filme se converter em novos votos para a ala bolsonarista, na eventual candidatura de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), afirmando que o impacto será mais efetivo na própria base bolsonarista, que já votaria nele de qualquer maneira, do que entre novos eleitores ou eleitores pendulares.
"Eu não creio que o filme tenha a capacidade de fazer isso — não só esse filme, acho que praticamente qualquer um. Teria de ser algo muito excepcional, com um impacto muito grande, para poder produzir um efeito dessa natureza. E, nesse sentido, eu acho que, muito mais do que esse filme, esse uso disperso e muito continuado das mídias sociais é que tem produzido efeitos eleitorais importantes."
Couto avalia que o mesmo serve para o samba-enredo dedicado a Lula. Segundo ele, embora seja ótimo para o ex-presidente ser homenageado e colocado em evidência por um determinado público no estado do Rio de Janeiro, onde ele tem enfrentado dificuldade, a possibilidade de atrair novos votos é baixa.

"Honestamente, não acho que isso tenha qualquer poder para produzir algum efeito eleitoral significativo. Então acho que fica muito mais dentro da própria bolha do que para além dela", aponta o analista.

Outro problema é o alcance limitado de ambas as produções culturais, como aponta João Feres, professor titular de ciência política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e coordenador do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) e do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA).
Ele explica que, embora o Carnaval seja uma parte muito forte da identidade cultural do Brasil, o samba-enredo de cada escola de samba é algo muito específico.

"Vai ser noticiado, provavelmente, que é sobre o Lula, mas é uma notícia menor. Eu duvido que tenha qualquer relevância [no pleito]."

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Ele acrescenta ainda que hoje em dia "muita gente pula Carnaval em bloquinhos", o que reduz a disseminação dos sambas-enredos.
Já em relação ao filme, Feres aponta que talvez tenha algum "splash", mas sem capacidade de se converter em votos.
"Primeiro que ninguém vai ao cinema, não sei onde vão mostrar esse filme, provavelmente no streaming, né? Mas streaming tem um monte, as pessoas têm acesso a alguns, outros não. O que eu acho é que um filme sobre o Bolsonaro que seja laudatório só vai convencer bolsonarista radical. Então não vai ganhar voto. Eu não acho que nenhum desses dois produtos culturais têm a capacidade de ganhar voto. Ganhar voto é uma coisa bem mais difícil. As pessoas não são ingênuas a esse ponto."
Ele também se mostra cético quanto ao impacto das produções no eleitorado indeciso, enfatizando que elas "repisam coisas que todo mundo já sabe".

"Não é nada de novo, não é um escândalo, uma novidade, um dado da biografia que ninguém sabe, nada disso que vai surgir e que pode, de alguma maneira, mobilizar a opinião pública. Acho que são coisas meio déjà vu. Eu sou cético, mesmo em relação aos eleitores indecisos", observa.

Sobre o fato de "Dark Horse" ser uma produção de língua inglesa, Feres avalia que o filme "é claramente uma produção da direita americana".
"O diretor é ligado à extrema-direita religiosa americana, o Caviezel também é um cara de extrema-direita. Eu acho que é mais do mesmo, é mais do estilo Brasil paralelo, esse tipo de bem cultural feito para uma audiência específica, que são os bolsonaristas convictos, que são pessoas que já estão votando no Bolsonaro, vão votar no Bolsonaro, em quem Bolsonaro indicar, de qualquer maneira."
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Rosemary Segurado, cientista política e professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP, sublinha que Lula e Bolsonaro são as duas lideranças com maior visibilidade do país. Ela considera que o samba-enredo e o filme têm como diferença principal o fato de o primeiro ser uma homenagem, enquanto o segundo é oriundo do próprio bolsonarismo.

"Uma coisa é uma escola de samba que está homenageando Lula por sua trajetória, sua biografia, porque é o único presidente que cumpriu três mandatos no país, e um presidente oriundo de classes populares, do movimento sindical, o que não é comum num país em que as elites sempre tiveram um jogo dominando o poder político do Brasil. Já o filme de Bolsonaro é produzido por ele, por seus apoiadores diretos, não é uma homenagem de um movimento, de uma escola."

Ela afirma ainda que o fato de o filme ser uma produção em inglês sinaliza a intenção de criar uma versão principalmente para divulgação externa, que visa divulgar a trajetória de Bolsonaro, mas sobretudo afirmar a inocência do ex-presidente.
"Nós já vimos um de seus filhos articular de fora represálias importantes ao país, como foi o tarifaço a produtos importantes da exportação brasileira, que, felizmente, por uma negociação entre o presidente [dos EUA, Donald] Trump e o presidente Lula, essas tarifas foram derrubadas. Então, acho que é uma continuidade de buscar criar uma narrativa de que ele está sendo preso indevidamente", afirma a cientista política.
No caso do samba-enredo, a especialista argumenta que "o Carnaval é no começo do ano, enquanto o pleito eleitoral vai começar a esquentar no debate popular lá para julho ou agosto". Segundo ela, é provável que Lula explore a homenagem durante a campanha eleitoral para demonstrar popularidade.
"Não sei o quanto isso pode ter grandes efeitos, mas, claro, é sempre importante, considerando que o Carnaval é a festa popular mais importante no Brasil. No caso do Bolsonaro, ele não é candidato. Provavelmente, um dos seus filhos utilizará as imagens [do filme] para continuar essa narrativa de que o pai estaria sendo injustiçado e que a democracia estaria acabando no Brasil e que ela só pode voltar ou permanecer com Bolsonaro no poder", conclui a especialista.
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