Apesar das negociações em andamento para um cessar-fogo na sitiada Faixa de Gaza, o trabalho continua no suposto "cais humanitário" dos Estados Unidos na costa do enclave.
Anunciado durante o discurso do Estado da União de Joe Biden em março, o conceito é supostamente projetado para ajudar a aumentar o fluxo de alimentos para o território, já que Israel limita a entrada de comboios por passagens terrestres. O atribulado presidente dos Estados Unidos retratou a ideia como um sinal de sua preocupação com a situação dos palestinos em Gaza, onde mais de 34.000 pessoas foram mortas desde 7 de outubro.
Porém, vários observadores sugeriram que o projeto não é o que parece, temendo que o cais possa servir como uma base para espionagem ou até mesmo operações militares por potências ocidentais. O jornalista Elijah Magnier fez uma análise à Sputnik sobre a situação no enclave, que teve o conflito escalado para Rafah, local que abriga mais de um milhão de palestinos desabrigados. O Hamas chegou a aceitar uma proposta de cessar-fogo mediada por Egito e Catar, o que foi rejeitado por Israel.
"Netanyahu não quer o acordo [...]. Não é do seu interesse alcançar qualquer acordo. Ele só quer que todos os prisioneiros e reféns sejam liberados para [retomar] a guerra", declarou o jornalista.
Porta-vozes das Forças de Defesa de Israel (FDI) confirmaram que uma "proporção significativa" dos reféns mantidos pelo Hamas são membros militares capturados durante o ataque do Hamas em instalações de segurança encarregadas de supervisionar a ocupação ilegal de Israel no território palestino. O movimento também pede a libertação de reféns mantidos por Tel Aviv, que detém milhares de civis palestinos sem acusação.
Enquanto isso, a administração Biden propôs estabelecer campos de refugiados no norte de Gaza para que palestinos em Rafah pudessem fugir antes de Israel começar a prometida invasão do território.
"O que eles estão dizendo é que vamos enviar 40.000 tendas e permitir que eles retornem ao norte, onde podem se abrigar em campos ou em outras tendas, mas não iniciem a operação em Rafah antes de remover as pessoas. Essa é a única diferença entre os norte-americanos e os israelenses", disse Magnier, explicando a posição da administração Biden.
Autoridades da Casa Branca promoveram o conceito de "cais humanitário" como uma forma de garantir o fornecimento de ajuda para palestinos deslocados. Mas Magnier afirmou que o porto está sendo construído não para permitir que alimentos sejam levados para Gaza, mas para facilitar a remoção da população que vive no enclave.
"Eles querem fechar a travessia entre o Egito e a Faixa de Gaza e, muito provavelmente, empurrar os palestinos para outra Nakba através do cais que estão construindo", propôs o repórter.
A Nakba, que significa "catástrofe" em árabe, refere-se à relocação forçada de milhares de palestinos durante a fundação de Israel em 1948. O ato foi realizado com a ajuda de grupos terroristas sionistas autodeclarados, como Irgun, Lehi e Haganah, que atacaram e queimaram cidades palestinas, matando dezenas de milhares de pessoas.
"Tantura era uma vila rica e tinha casas bonitas", disse o ex-soldado israelense Yosef Diamont em um documentário na televisão israelense, relembrando o ataque sionista à cidade palestina. "Seus moradores viviam como europeus e as mulheres da vila usavam roupas elegantes."
"Um dos soldados estuprou uma menina de dezesseis anos", ele disse, rindo. "Os eventos lá foram horríveis. Havia um [sionista] conosco, ele os levou [os palestinos] e os colocou em uma jaula e os matou. Eles impuseram um encobrimento. Havia soldados que pegaram lança-chamas e correram atrás dos moradores e os queimaram."
O partido governante Likud de Israel defende que os territórios de Gaza e Cisjordânia, considerados terras palestinas sob o direito internacional, fazem parte da "Grande Israel". Com isso, insistem que os árabes devem ser expulsos dos territórios para completar a colonização sionista das terras palestinas históricas. No ano passado, vazou um plano da inteligência israelense propondo a transferência forçada de milhões de palestinos de Gaza para o deserto do Sinai, no Egito.
O Egito se opôs à proposta, assim como a administração Biden, temendo que o plano ameaçasse a defesa histórica do Egito por Israel desde a assinatura dos Acordos de Camp David em 1978. No entanto, membros linha-dura da coalizão de Netanyahu, como Bezalel Smotrich e Itamar Ben-Gvir, continuaram a insistir abertamente na ocupação total dos territórios.
Até agora, a administração Biden mostrou pouca disposição para desafiar seu aliado israelense. Um jornalista recentemente perguntou ao presidente dos EUA se as manifestações sem precedentes em campi universitários em todo o país poderiam levar a uma reconsideração do apoio "inabalável" ao governo Netanyahu. Biden respondeu à pergunta com um sucinto "não".