Logo no primeiro artigo, o texto da lei fala em instituir o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), o Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV) e o Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural e de Incentivo ao Biometano.
Em termos gerais, os programas têm como ponto central incentivar a pesquisa, a produção e a comercialização dos combustíveis verdes.
Já de maneira mais específica, o texto estabelece metas para que o Brasil siga o caminho do plano de descarbonização do setor energético, alinhado às metas do Acordo de Paris. Entre as iniciativas, o projeto de lei estabelece que a partir de 2027 os operadores aéreos ficam obrigados a reduzir as emissões de gases do efeito estufa em suas operações domésticas e passam a usar o combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês).
O PL também aciona uma nova margem de mistura de etanol à gasolina , que passará a ser de 22% a 27%, podendo chegar a 35%. Atualmente a mistura pode chegar a 27,5%, sendo no mínimo 18% de etanol.
Em relação ao biodiesel, misturado ao diesel de origem fóssil, o percentual estabelecido desde março é de 14%. Entretanto, a partir de 2025 será acrescentado 1 ponto percentual de mistura anualmente, até atingir 20%, em março de 2030.
A adição em questão deve considerar o volume total, e ficará a cargo do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) avaliar a viabilidade das metas relacionadas à mistura, reduzir ou aumentar a mistura de biodiesel em até 2 pontos percentuais. A partir de 2031 poderá elevar a mistura, que deverá ficar entre 13% e 25%.
Quais benefícios a implementação do projeto traz ao Brasil?
Dono de uma enorme matriz energética de energia limpa, o Brasil desponta como liderança para a transição energética global. A discussão do tema no Legislativo demonstra que o país segue com o intuito de estabelecer normas para permitir o avanço na produção e na comercialização dos combustíveis.
Nesse caso, a introdução do projeto de lei aponta benefícios interessantes para o Brasil, conforme lista Antonio Carlos de Freitas Junior, doutor e mestre em direito constitucional pela Universidade de São Paulo (USP).
"A adoção desses combustíveis sustentáveis permitirá ao Brasil diversificar ainda mais sua matriz energética, fortalecendo o uso de fontes renováveis e reduzindo a dependência do petróleo", diz o especialista. Com isso:
Reduz a poluição do ar: ao diminuir a queima de combustíveis fósseis, o PL promove uma melhor qualidade do ar nas cidades e regiões urbanas, resultando em benefícios para a saúde pública;
Fomenta o desenvolvimento sustentável: a transição para uma economia de baixo carbono abre portas para a inovação tecnológica e o fortalecimento de cadeias produtivas ligadas à bioenergia;
Gera "empregos verdes": o incentivo ao uso de biocombustíveis pode gerar empregos diretos em novas indústrias ligadas ao diesel verde, biometano e SAF, além de indústrias de base agrícola e tecnologia.
Em relação ao último tópico, a geração de emprego pode ser impulsionada, inclusive, para pequenos produtores, segundo Marcos Baroncini Proença, engenheiro químico, doutor em engenharia mecânica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor do Centro Universitário Internacional Uninter.
"À medida que vão sendo desenvolvidos esses projetos e essas novas formas de gerar energia, você gera muito campo de trabalho e muita renda também. Pense que você pode gerar um combustível limpo de pequenos produtores."
Como as metas propostas serão fiscalizadas?
Conforme o PL, as metas de redução de emissão de gases do efeito estufa serão definidas e monitoradas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão presidido pelo ministro de Minas e Energia, integrado por outros 16 ministros e pelo presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
A meta valerá a partir de 1º de janeiro de 2026 e se iniciará com uma redução de 1% ao ano.
Freitas Junior recorda que o não atendimento da meta anual de redução de gases do efeito estufa definida pelo CNPE poderá "sujeitar o agente que produza ou importe gás natural a multa superior ao benefício auferido com o descumprimento, além de outras medidas cíveis (como suspensão das atividades) e criminais".
O projeto também prevê quanto cada combustível lança de gases do efeito estufa na atmosfera, com conceitos que contabilizam desde o processo de extração (ou plantação, nos biocombustíveis) até o fim de seu uso, passando pela produção, transporte e armazenamento.
Dessa forma, no caso de veículos, por exemplo, os programas RenovaBio, Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular e Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve) serão mobilizados para trabalhar de forma integrada a fim de promover a mobilidade sustentável de baixo carbono.
Os processos, portanto, passam pelas definições, por parte do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, destinadas ao programa Mover para o consumo energético (energia gerada por cada tipo de combustível para rodar 1 quilômetro) e às emissões (gramas de gás carbônico equivalentes por quilômetro) de cada tipo de veículo. A partir desses parâmetros, conforme o texto, será possível mensurar quanto cada tipo de combustível gera de gás do efeito estufa para gerar uma unidade de energia.
O PL projeta soberania para o Brasil no quesito combustíveis não poluentes?
Para Freitas Junior, ainda é cedo para afirmar isso, entretanto o projeto coloca o país em um lugar de destaque em relação aos combustíveis não poluentes.
Os avanços no Legislativo para criar normas para os combustíveis verdes também mantêm o Brasil, segundo o doutor e mestre em direito constitucional pela USP, em lugar de vanguarda nos combustíveis menos poluentes, como foi com a criação do etanol no país nos anos 1920.
"Com a estruturação de uma indústria de combustíveis sustentáveis, o Brasil poderá se posicionar como um importante exportador de tecnologia e de combustíveis verdes, tanto para aviação quanto para outros setores, especialmente com a crescente demanda global por soluções de baixa emissão de carbono."
Proença também avalia o Brasil com enorme potencial para se destacar no ramo, sobretudo pela experiência na produção de combustíveis verdes, mas também pela "longevidade do desenvolvimento de pesquisa nacional voltada à energia limpa".