Panorama internacional

Inimigo imaginário: Ocidente cultural condenou mulçumanos à alcunha de terroristas, dizem analistas

O ataque às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, sedimentou a figura dos mulçumanos como "terroristas". Desde então, essa atribuição quase sinônima cria raízes preconceituosas no Ocidente, que, assim, passa a ter mais um inimigo no imaginário popular.
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"Todo árabe obrigatoriamente é um islâmico, e todo islâmico é um terrorista." Essa tríade, segundo Pablo Victor Fontes Santos, professor colaborador do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), está plantada no imaginário coletivo, que percebe o Oriente Médio como uma região ausente de democracia e tomada por regimes totalitários.
Para a estabilização desse entendimento quase universal, assim como no período colonial, o Ocidente cultural empreendeu bombardeios "em todos os aspectos da vida humana" para representar o muçulmano enquanto terrorista, comenta Mansur Peixoto, fundador do canal História Islâmica.
"Se o indivíduo vai assistir um filme, a visão do muçulmano está lá. Sempre aquele homem de olhos fundos, escuros, terrorista, enfim, que faz o mal e que tem ou um papel de bufão ou de uma completa caricatura orientalista", diz o analista.
Tudo não começa após dois aviões colidirem com as Torres Gêmeas, nos Estados Unidos, há mais de duas décadas, ou na sequência, com a invasão do Iraque, embora sejam eventos cruciais para reforçar a construção da figura do inimigo.
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"As primeiras operações da Marinha americana foram explosões e ataques com canhões e bombardeios do território dos reinos muçulmanos no norte da África", recorda Mansur, reafirmando que os EUA invadem países muçulmanos desde pelo menos o século XVIII.
A partir do primeiro ataque sofrido em solo norte-americano em quase 300 anos, a forma e o discurso que enquadram o sujeito muçulmano se dissipam em outras searas da vida social do sujeito, tomando conta do noticiário, da religião, da comédia.
"Em todos os aspectos da representação desse indivíduo, você tem a representação dele e do seu mundo, em um mundo marcado pela expressão do terrorismo", avalia.
Nessas condições, "não tem como a pessoa pensar diferente, se a cultura de massa popular só mostra isso, quase em total exclusividade", defende Mansur.

Algo no Islã associa a religião ao terrorismo?

Os especialistas ouvidos pelo Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, atestam que não há no Alcorão ou em quaisquer fundamentos do Islã nada que associe a religião a práticas terroristas.

"Não há nada em relação ao Islã que reverbere ou que legitime, tanto no sentido conotativo ou no sentido denotativo, ou seja, metáforas, ou tanto no sentido de dicionário, que leve ou que produza o imaginário, uma associação com práticas terroristas ou uma cultura de insegurança, risco, medo, terror, qualquer coisa nesse sentido. Não há nada", garante Santos.

Mansur avalia que o terrorismo não está calcado em nenhuma religião, mas se condiciona como expressão de violência ilegítima que acontece dentro da história humana em diversas ocasiões. No caso dos países árabes do Oriente Médio, segundo ele, há um hiperfoco nos acontecimentos nessas regiões, o que contribui para a assimilação do Islã, dos mulçumanos ao terrorismo.

"Qualquer grupo de resistência em países muçulmanos a ocupações estrangeiras é chamado na mídia ocidental de terrorismo. […] Eu não posso chamar Zelensky de o terrorista mais rico do mundo, ou o Benjamin Netanyahu de o terrorista mais assassino do mundo porque eles são líderes de países legitimados", comenta.

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O terrorismo é sempre do outro

Questionado sobre práticas que poderiam ser enquadradas como terrorismo, mas não são midiaticamente descritas como tais no Ocidente, Mansur responde com novas interrogações:
"Do que é que você chama, por exemplo, a invasão do Iraque? Do que é que você chama, por exemplo, a invasão da Líbia? O que é que você chama, por exemplo, a invasão do Afeganistão?"
De acordo com o analista, há nesses três acontecimentos um imenso morticínio, sem nenhuma consideração pelo sofrimento das populações dos respectivos países, muitas vezes tidas como alvos legítimos.

"George W. Bush falou que Deus mandou ele invadir o Iraque. Falou que sua invasão, o morticínio de mais de 1 milhão de pessoas foi mandado por Deus. Se Osama bin Laden é um terrorista por matar um número infinitamente menor de pessoas sob alegados subterfúgios divinos, por que George W. Bush não? Porque ele é branco, não tem barba e usava terno quando fazia seus pronunciamentos? Mas e as milhares de pessoas mortas? E os dispositivos explosivos e as torturas em Abu Ghraib?", rebate o pesquisador.

Na mesma linha, Santos relembra intervenções que matam e produzem sistemas de tortura, como é o caso de Abu Ghraib e Guantánamo, mas não são consideradas ações terroristas. Pelo contrário, as intervenções realizadas pelo Ocidente são tratadas como guerras de contrainsurgência, com intuito de levar a paz liberal e democrática.
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"Cria-se um conjunto de conceitos para legitimar essas intervenções. […] Em nome da liberdade, em nome da defesa dos direitos humanos, em nome da democracia liberal, os Estados Unidos já promoveram diferentes formas de apagamento, silenciamento", argumenta, salientando também que os europeus podem ser colocados na mesma prateleira, sobretudo por conta de episódios como as colonizações.
Além disso, enquanto o terrorismo é sempre do outro, há que insistir no cenário beligerante, uma vez que alguém ganha com isso, segundo o professor da UERJ.

"É importante que se diga que o terrorismo transnacional é uma forma de construção ou de produção de um inimigo. Você precisa ter um inimigo para justificar as suas ações, as guerras, os conflitos armados. Alguém ganha com um conflito armado."

Como exemplo ele cita Israel, onde há ganhos com o conflito na Palestina. Em nome desse ganho, segundo o especialista, "se investe no conflito armado" e se nega que "está havendo um genocídio na Palestina […], [enquanto ele está] em curso, a céu aberto, para todos nós assistirmos".
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