O presidente argentino Javier Milei, e sua ministra da Segurança, Patricia Bullrich, voltaram a aparecer na mídia. Desta vez graças a declarações sobre a construção de cercas nas divisas com a Bolívia, na cidade de Aguas Blancas (Salta, no norte do país), e com o Brasil, na altura do município de Dionísio Cerqueira (SC).
A ideia, que reproduz as iniciativas do presidente estadunidense, Donald Trump, e sua fronteira com o México, ecoa o discurso do líder da Casa Branca de que constrói a barreira como forma de impedir a migração ilegal e o narcotráfico.
"O governo de Milei usa essa medida para reforçar a imagem de que é um governo duro, que combate a criminalidade", disse à Sputnik Brasil o pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e membro do Observatório Político Sul-Americano (OPSA) Jefferson Nascimento.
"A justificativa de que o muro é uma forma de tentar coibir a violência parece muito desconectada da realidade."
Nascimento explica que o combate efetivo à criminalidade transfronteiriça ocorre a partir da articulação e do diálogo de inteligência entre os governos nacionais e estaduais. O oposto do que Milei propõe.
Além disso, a construção de uma cerca bate de frente com a livre circulação de pessoas acordada pelos membros do Mercosul, expõe o analista. Cidadãos do bloco podem circular em outro país como turistas por um período de três meses sem precisar de visto.
O discurso em torno da construção, contudo, revela que Milei não teve um lapso de memória ao desconsiderar esse livre trânsito. "Existe da parte de Milei um discurso de que a Argentina atende a muitos países latino-americanos e que essas não são suas relações de preferência", disse à reportagem Bruno Lima Rocha, jornalista, cientista político e professor de relações internacionais.
"Em relação a fronteira Milei vai criar muita bravata, muitos gestos para criar um choque de ânimos", acrescentou.
Ambos os especialistas afirmam que apesar do discurso "inflamado" de Milei, e de tentar comprovar sua subordinação aos Estados Unidos de Donald Trump se tornando um "empecilho" para o avanço do grupo, dificilmente o líder argentino conseguirá abandonar o bloco.
"Não é uma medida que vai ser fácil de ser tomada", afirma Jefferson Nascimento. "O Brasil é o segundo maior parceiro comercial da Argentina, atrás apenas da China, e o fluxo comercial entre os dois países é facilitado pelas tarifas alfandegárias do Mercosul."
"Então uma parcela importante da burguesia argentina não ficaria satisfeita com essa medida, até porque um acordo de livre comércio com os Estados Unidos dificilmente substituiria o papel do Brasil."
Uma saída do Mercosul também geraria uma grande pressão inflacionária na Argentina, destaca Bruno Lima Rocha, o que pioraria ainda mais, se não a situação econômica do país — que vê mais de 50% da população abaixo da linha da pobreza —, a percepção de seu trabalho econômico.
"Acredito que o que esteja ocorrendo é um gesto de Milei e de seu ministro da Economia, Luis Caputo, para buscar junto ao Fundo Monetário Internacional [FMI] mais um empréstimo em torno de US$ 11 bilhões", afirma o professor. "E para isso precisam do aval dos Estados Unidos."
Para alcançar este fim, Milei não vê problema em puxar um pouco o tapete do Mercosul. "O bloco já não é mais um projeto estratégico do governo argentino a medida que ele implica também uma indústria complementar."
"E o governo Milei não quer indústria nenhuma", diz Rocha. Pelo contrário, o líder da Casa Rosada tem uma agenda econômica de "liberou geral".
"Milei vende tudo, privatiza tudo e acaba com a indústria argentina. Constrói um país hiperdependente somente voltado para o sistema financeiro, para extração mineral e para o ciclo agrícola."