A Suprema Corte da Argentina confirmou a condenação da ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner a seis anos de prisão e inabilitação perpétua para cargos públicos, encerrando sua trajetória eleitoral. A decisão, relacionada ao caso Vialidad, envolve fraudes em 51 licitações de obras públicas na província de Santa Cruz, beneficiando empresas ligadas a Lázaro Báez.
Com a condenação, Cristina Kirchner, de 72 anos, está impedida de disputar as eleições legislativas de setembro, nas quais pretendia concorrer como deputada por Buenos Aires. Ela criticou a decisão, acusando o "partido judicial" de restringir a vontade popular. A pena deverá ser cumprida em regime domiciliar, devido à sua idade.
A decisão representa um marco na história política argentina, sendo a primeira vez desde 1983 que um ex-presidente tem uma condenação por corrupção confirmada pela Suprema Corte. Embora outros ex-mandatários tenham enfrentado processos, nenhum teve sentença ratificada nesse nível, o que torna o caso de Cristina um precedente inédito.
Apesar da inabilitação formal, Cristina mantém influência no Partido Justicialista, principal força de oposição ao governo de Javier Milei. A condenação abre um novo capítulo para o peronismo, que historicamente se organizou em torno de lideranças fortes, e agora enfrenta o desafio de se reconfigurar sem sua principal figura.
O paradoxo da centralidade
"O fato de Cristina [Kirchner] estar fora do círculo eleitoral não significa, em absoluto, que ela esteja marginalizada da posição privilegiada que ocupa. A decisão da Corte acaba consolidando-a em uma posição de centralidade que já vinha se configurando: agora sem cargo, mas com o mesmo poder", disse o cientista político Facundo Cruz à Sputnik.
Segundo o especialista, a ex-presidente "continuará mantendo um capital político incomparável" que, apesar de sua incapacidade de competir, continuará moldando a agenda do peronismo, o partido mais importante do país sul-americano. A decisão que encerra sua campanha eleitoral, em vez de enterrar sua influência, "a fortalecerá como líder política", considerou o analista.
"Estamos em um ponto de ruptura porque nunca aconteceu de uma figura do seu calibre ser marginalizada nesses termos", enfatizou o consultor.
Enquanto o Partido Justicialista perderá a candidatura de sua principal figura em nível nacional, para Cruz, Kirchner "continuará atraindo votos", embora agora dentro do peronismo "se abra um cenário de incerteza sobre como se formará a oferta eleitoral capaz de alcançar o consenso que Cristina desfrutava anteriormente".
Sabor agridoce para a Casa Rosada
Questionado sobre se o revés de Kirchner beneficia ou não o presidente Milei, Cruz observou que "ter [Cristina] Fernández como rival foi um trunfo muito importante para o governo, pois permitiu polarizar a eleição ao enfrentar uma líder com uma imagem bastante negativa. Sem ela em campo, essa narrativa se enfraquece".
Para o especialista, "não há um vencedor direto aqui dentro do partido governista. Aliás, se isso acabar ordenando o peronismo, pode até ser prejudicial para a Casa Rosada a longo prazo, mesmo que Milei celebre a condenação hoje".
"Cristina [Kirchner] foi funcional a essa estratégia de confronto. Agora teremos que ver se o governo consegue sustentar sua narrativa sem seu principal adversário à sua frente", enfatizou Cruz.