"Toda a gente estava ocupada a construir caixotes. Montes de tábuas e contraplacado eram utilizados. O preço dos martelos e dos pregos disparou. As caixas eram o principal tema das conversas — como construí-las, qual o melhor material para reforçá-las […] No interior da Luanda de tijolos e cimento, uma nova cidade de madeira começava a surgir."
Foi aqui que muitas das coisas da história recente de Angola foram decididas, no pós-revolução portuguesa, quando milícias dos colonizadores atacaram os musseques da cidade, foi a pronta resposta dos moradores e dos militantes do MPLA que começou a construir o domínio deste partido na cidade. Foi a vitória na primeira batalha de Luanda do partido de Agostinho Neto, com apoio dos cubanos e soviéticos, que permitiu a declaração de independência, em 11 de novembro de 1975, ainda choviam balas.
Foi a vitória na segunda batalha de Luanda, depois da vitória de José Eduardo dos Santos contra Jonas Savimbi, no primeiro turno das eleições presidenciais em 1992, que começou o início do fim da longa guerra civil com o triunfo do MPLA.
A dependência do petróleo
Nas ruas da cidade, os contrastes entre a imensa riqueza de poucos e a muita pobreza da esmagadora maioria dos angolanos são expressos, assim como a história da evolução política e ideológica das últimas décadas. Angola é o segundo maior exportador de petróleo do continente africano, a terceira economia da África subsaariana, atrás da Nigéria e da África do Sul, mas está entre os 30 países mais desiguais do mundo, segundo a lista feita a partir do coeficiente de Gini.
Se percorrermos as ruas Salvador Allende ou Ho Chi Minh elas vão dar à Frederich Engels, onde se encontra o luxuoso edifício da SONAGOL (Sociedade Nacional dos Combustíveis de Angola), a mais poderosa empresa do país, dirigida por Isabel dos Santos, filha do ainda presidente José Eduardo dos Santos.
O nome das ruas é uma herança do tempo em que o MPLA se definia como marxista-leninista, hoje faz parte da Internacional Socialista e tem nas suas fileiras os mais ricos milionários angolanos. O petróleo representa 95% das exportações do país e quase metade do PIB, 45%, segundo os dados da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).
É esta situação que é necessário corrigir pelo novo presidente, defende o editor-executivo do jornal angolano "Nova Gazeta", Emídio Fernando, em declarações à Sputnik Brasil:
"O principal desafio é mesmo sacudir a dependência do petróleo. Desafio gigante, porque durante décadas Angola dependeu do petróleo. Com a queda do preço do barril, foi a desgraça que se vê. Agora, arranjar alternativas vai ser difícil e demorado. Outro grande desafio é a educação. É impossível ter um país desenvolvido com a educação atual. O combate à corrupção é outro desafio, mas não só nos níveis superiores. Toda a sociedade vive à base da corrupção, em que qualquer ato pode ser pago".
Uma opinião de alguma forma semelhante tem o especialista Angola e comentador da RDP África, Adolfo Maria, é angolano e foi uma das vozes da emissora do MPLA, Angola Combatente, saiu do partido na cisão da Revolta Ativa.
"Já muito tempo se perdeu ao não fazer a diversificação da economia. É uma necessidade premente. Para isso tem de haver uma maior liberdade de investimento e uma burguesia nacional mais capaz de fazê-lo e menos parasitária do aparelho de Estado, como foi esta que se foi fazendo à sombra do Estado rendeiro do petróleo", considera Adolfo Maria à Sputnik Brasil.
Umas eleições contestadas
A oposição contestou os resultados, considerando que não foi transparente o processo de contagem dos votos. Acusação que António Rodrigues, jornalista português que foi editor da Rede Angola, julga, em declarações à Sputnik Brasil, fundamentada.
"A oposição entrou nestas eleições tentando participar num jogo democrático que estava viciado à partida: os grandes órgãos de comunicação social estão dominados pelo MPLA, que usa o aparelho do Estado para fazer campanha. Para além disso, estes resultados e a forma como foram divulgados causam perplexidade, porque os comissários eleitorais dos partidos da oposição dizem que por eles não passaram nenhumas atas eleitorais e a contabilidade provincial não foi feita, como estava previsto. Isso vem dar, de alguma forma, razão àqueles que defendiam que se devia ter boicotado estas eleições, dado a falta de garantias de democraticidade."
Opinião mais matizada tem Adolfo Maria, que observa que o resultado expressa a posição política da maioria dos angolanos.
Sobre os desafios do presidente João Lourenço, Adolfo Maria considera que ele pode até pretender fazer uma evolução na continuidade, mas que a situação do país obriga a fazer grandes mudanças:
"É fundamental encontrar outros modos de prosperar, até para a sobrevivência da própria burguesia que se formou. É preciso diminuir o tremendo fosso que há entre uma elite extremamente rica e a maioria da população numa grande pobreza."
Se os principais problemas de Angola, como a dependência do petróleo, a desigualdade social e a corrupção são consensuais para os especialistas consultados pela Sputnik, o legado de José Eduardo dos Santos não gera consenso. Se para António Rodrigues a corrupção viu em José Eduardo dos Santos o seu comandante em chefe, para o jornalista Emídio Fernando ele teve um papel fundamental na pacificação do país.
"Teve dois grandes méritos: controlou as divergências no MPLA, pacificando o partido no poder, e foi magnânimo na altura de fazer a paz, evitando um banho de sangue e clivagens na sociedade. O grande erro foi ter secado tudo à volta que o obrigou a ficar mais tempo do que seria previsto. Arriscou, aliás, muito. Poderia ter morrido no cargo, deitando por terra o que mais valorizou — a unidade do MPLA", afirma.