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'Arapuca' pró-OTAN: cúpula da paz sobre a Ucrânia apresenta fórmula de paz inviável e unilateral

© AP Photo / Mindaugas KulbisSoldados lituanos participam de cerimônia de hasteamento da bandeira da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em Vilnius. Lituânia, 29 de março de 2024
Soldados lituanos participam de cerimônia de hasteamento da bandeira da Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN) em Vilnius. Lituânia, 29 de março de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 17.05.2024
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Em entrevista à Sputnik, analistas comentam a decisão de Lula de não comparecer à cúpula, a ausência da Rússia no evento e destacam que "não se faz uma conferência de paz com base na proposta exclusivamente de um dos lados".
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu não participar da cúpula para a paz na Ucrânia, prevista para os dias 15 e 16 de junho, na cidade de Lucerna, na Suíça. A decisão foi confirmada ontem (16) em comunicado enviado à Sputnik Brasil pela Secretaria-Geral da Presidência da República.
Além de Lula, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, também afirmou que não participará do evento "devido a processos constitucionais pós-eleitorais que exigirão sua presença". Ademais, não há indícios de que o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, participará.
Em entrevista à Sputnik Índia, o professor Swaran Singh, presidente do Centro para Política Internacional, Organização e Desarmamento (CIPOD, na sigla em inglês), da Escola de Estudos Internacionais da Universidade Jawaharlal Nehru, afirmou que Modi se manteria ocupado com eventos pós-eleitorais.
"A Índia definitivamente observaria como outras grandes potências estão respondendo à cúpula da paz na Suíça. Não estou muito esperançoso de que o primeiro-ministro se junte à conferência suíça devido a considerações pós-eleitorais", disse Singh.
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Em contraponto, tanto Lula quanto Modi confirmaram presença na cúpula do G7, que acontecerá poucos dias antes, em 13 e 15 de junho, em Borgo Egnazia, um resort na região da Puglia, no sudeste da Itália.
Convocada em janeiro pelo presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, a cúpula da paz sobre a Ucrânia tem apoio do Ocidente é está sendo organizada pela presidente da Confederação Suíça, Viola Amherd, que nesta semana afirmou que dos 160 países convidados, mais de 50 aceitaram participar do evento.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Williams Gonçalves, doutor em sociologia e professor titular de relações internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), afirma que "faz todo sentido o presidente Lula se recusar a participar da cúpula, por ser evidente que ela já começa com uma pauta definida e favorável a um dos lados — neste caso, a Ucrânia". Ele destaca que a cúpula apresenta como pauta a discussão de um documento elaborado pela Ucrânia que traz dez pontos, entre eles a retirada total das tropas russas da frente de combate.

"Ora, não se faz uma conferência de paz com base na proposta exclusivamente de um dos lados. O que essa cúpula se propõe é discutir a proposta da Ucrânia. A Rússia não é levada em consideração, as razões da Rússia não são aí contempladas. Portanto, é uma reunião que começa viciada porque parte da visão de um dos protagonistas, ignorando o outro. Por isso a decisão do presidente Lula, com base nesse aspecto da questão, então procede perfeitamente", explica.

Por sua vez, Nathana Garcez Portugal, doutoranda em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp/Unicamp/PUC-SP), aponta que é necessário cautela, afirmando que "muita coisa ainda pode mudar no curso das relações internacionais" e que pode haver a possibilidade de o Brasil ser representado não por Lula, mas "por entidades de nível secundário do corpo diplomático brasileiro".
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Entretanto, ela diz que há fortes indícios de que a decisão de não comparecimento do presidente tenha sido tomada diante da ausência da Rússia, o que "acaba esvaziando o poder de resolução da cúpula".

"Essa cúpula acaba tendo suas decisões limitadas quando um dos envolvidos, uma das peças-chave, não está ali participando dos debates, não está ali aceitando as resoluções feitas. E naturalmente isso joga as decisões da própria cúpula no local de incerteza. Quer dizer, é possível que essas resoluções que vão sair, esses debates que vão ocorrer na Suíça, tenham efetividade? Essa é a pergunta que não quer calar quando um dos envolvidos não está na mesa de negociações", afirma.

Ela sublinha que metade dos confirmados para o evento hoje são países europeus, o que torna a cúpula "mais próxima dos interesses da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) dos interesses ucranianos".
"A gente só vai ver a participação de poucos países, com 50 países, até agora que foram confirmados. Além disso, a maioria, metade deles, são países europeus por enquanto, e […] uma das partes envolvidas não vai participar, então acaba que naturalmente a cúpula ganha um contexto mais midiático e possivelmente menos efetivo por conta de como vai se desenhando a participação nela. Agora, é difícil perceber se, de fato, ela tem esse objetivo de ser mais midiática. Com certeza, poderia ser mais efetiva se tivesse convidado a Rússia, mas isso também não significaria, necessariamente, que a Rússia iria participar da própria cúpula."
Já Hugo Albuquerque, jurista e editor da Autonomia Literária, destaca que a cúpula "ocorre em um momento de aumento do abismo entre os países centrais do Ocidente, liderados pelos EUA e organizados no G7, e o chamado Sul Global".
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"Não só o financiamento dos EUA e da União Europeia para a manutenção da guerra na Ucrânia como as sanções contra a Rússia e a China e, por fim, o financiamento também ao massacre dos palestinos em Gaza pelos israelenses criam um cenário de racha mundial. Não há sensação de que o Ocidente esteja sendo sincero, só que ele quer derrotar a Rússia a qualquer custo", enfatiza.

Por que a Rússia foi excluída do evento?

A Rússia não está entre os 160 países convidados pela Suíça para a cúpula. Porém, o porta-voz da embaixada russa em Berna, Vladimir Khokhlov, afirmou que Moscou não participaria de qualquer forma, pois a conferência apresenta uma fórmula de paz inviável que não leva em consideração os interesses da Rússia.
Questionado sobre o porquê de a Rússia ter sido excluída da lista de convidados, Gonçalves afirma que isso se deu porque "a Europa, no seu conjunto, se encontra completamente submetida à estratégia dos Estados Unidos de recompor a unidade do seu bloco, a unidade da Europa, da OTAN, em torno da sua visão de mundo, da sua ideia de que os Estados Unidos são mais importantes do que todos os países e que a sua vontade tem que ser posta em prática, tem que ser se tornar realidade".
Entretanto, ele destaca que "os europeus estão agindo de maneira estranha, indo contra seus próprios interesses nacionais", e cita o exemplo da Alemanha, que "está sacrificando o seu desenvolvimento, está sacrificando a sua economia para atender a essa política dos Estados Unidos para a região".

"Eles [europeus] acreditam, ou fingem acreditar pelo menos, na tese dos Estados Unidos de que o Vladimir Putin é um imperialista expansionista delirante que irá invadir o restante da Europa depois de se apossar da Ucrânia. Então a partir do momento que se trabalha com esse tipo de raciocínio, fica difícil qualquer discussão política, qualquer debate sobre a paz. Na verdade, essa cúpula parece muito mais uma organização para fundamentar, para legitimar a política do Zelensky. É isto o que essa cúpula de paz faz: fortalecer a posição do Zelensky. Depois de tanto dinheiro que deram para o Zelensky, de tanta arma que deram para a Ucrânia, para Zelensky, eu penso que eles estão numa posição de quem não pode recuar. Mas essa é a questão, é uma cúpula para a Ucrânia, não é uma cúpula de paz."

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Para Albuquerque, o motivo de a Rússia não ter sido chamada para a cúpula é o fato de que o país é justamente aquele que os participantes do evento visam derrotar.
"Obviamente, essa cúpula é antirrussa. Ela não foi chamada, pois o objetivo é vencer Moscou, não incluir o país em qualquer discussão ou novo acordo. Se fosse isso, o Protocolo de Minsk teria sido cumprido."
Nova Déli tem afirmado constantemente que é a favor de negociações diretas entre a Rússia e a Ucrânia para resolver o conflito ucraniano. O Ministério das Relações Exteriores da Índia disse que ainda não atendeu ao convite da Ucrânia para participar da cúpula na Suíça. Significativamente, existe também um sentimento de que qualquer acordo de paz na Ucrânia sem a participação da Rússia será necessariamente "fútil".

"Penso que qualquer tentativa de qualquer fórmula de paz será inútil sem a participação de todas as partes. Se a Rússia não for convidada, será uma perda de tempo. "A Índia também afirmou que a participação da Rússia e da Ucrânia faz sentido", afirmou à Sputnik Índia o embaixador reformado Anil Trigunayat, antigo enviado indiano à Jordânia, Líbia e Malta.

Trigunayat afirma que a presença da Rússia e da Ucrânia é a chave para resolver o conflito ucraniano.
Ele observou a estreita coordenação das posições da Rússia e da China sobre o caminho a seguir no conflito durante recente reunião de Putin com o presidente chinês, Xi Jinping, em Pequim.
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"O presidente Putin estava na China e teria percebido a posição chinesa, uma vez que supostamente faziam parte de alguns preparativos. A Rússia achou o Plano de Paz Chinês de 12 pontos mais palatável. Portanto, independentemente de quem participa ou não do encontro suíço, a chave é a participação das duas partes em conflito e não apenas dos representantes", sublinhou Trigunayat.

Há ceticismo do Sul Global em relação à cúpula?

Sobre o fato de países do BRICS demonstrarem pouco interesse no evento, Gonçalves diz considerar "evidente que a decisão do presidente Lula não é uma decisão isolada".

"O presidente Lula, ou a diplomacia brasileira, não recomendaria essa posição do presidente Lula sem consultar os países aliados do BRICS. Embora não se vá falar publicamente isso, mas essa é a posição de conjunto do BRICS de não participar de uma cúpula organizada pelos aliados dos Estados Unidos para legitimar a posição da Ucrânia. E do outro lado nós temos que entender que a finalidade é justamente a de dividir o BRICS. A política é de fragmentar a liderança do Sul Global. O que emoldura essa cúpula, o que emoldura toda essa questão referente à Rússia e à Ucrânia, é a luta que o Sul Global, liderado pelo BRICS, trava com os Estados Unidos e seus principais aliados com vistas a defender uma nova ordem internacional", argumenta.

Nathana Garcez Portugal também diz acreditar que há ceticismo do Sul Global em relação à cúpula, e aponta como exemplo o fato de que, até o momento, "apenas Cabo Verde confirmou presença entre todos os países africanos".
"Poucos países também da América do Sul confirmaram presença de seus chefes de Estado na cúpula. E isso é um indicativo forte, a um mês do evento, de que existe certa preocupação com a efetividade dele. Se houvesse um indicativo mais positivo em relação ao evento, possivelmente haveria um comprometimento maior de chefes de Estado de países do Sul Global em comparecer à cúpula e participar das conversas de paz", explica.
Já Albuquerque afirma que o ceticismo do Sul Global em relação à cúpula tem como base o fato de o evento ser uma "arapuca".

"Basicamente, participar dessa cúpula serve apenas para que os países não alinhados à OTAN sejam pressionados ou cooptados a mudar de linha sobre a Rússia. É uma arapuca bem óbvia", conclui o especialista.

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