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Pedido de prisão de Netanyahu: premiê de Israel estaria prestes a cair mesmo com o apoio dos EUA?

© AP Photo / Tatan SyuflanaProtesto contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, lembrou o 76º aniversário da expulsão dos palestinos do território no Oriente Médio. Indonésia, 17 de março de 2024
Protesto contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, lembrou o 76º aniversário da expulsão dos palestinos do território no Oriente Médio. Indonésia, 17 de março de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 22.05.2024
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Antes criticado por condenar somente ditadores africanos e algumas figuras ligadas ao Leste Europeu, o Tribunal Penal Internacional (TPI) apresentou um pedido de prisão inédito contra um líder do chamado Norte Global: Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel. Especialistas indicam possíveis repercussões à Sputnik Brasil.
Era outubro de 1998 quando um caso transformava a Justiça internacional, até então incipiente ao trazer a primeira jurisprudência sobre crimes contra a humanidade: a inesperada prisão do ditador chileno Augusto Pinochet, na época com 82 anos, em Londres, no Reino Unido.
Como era senador vitalício no país e tinha imunidade diplomática, mesmo após o fim do regime militar, além de contar com certa "amizade" histórica com a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, Pinochet realizava uma missão "secreta" no país. A ocasião fez o juiz Baltasar Garzón emitir um mandado internacional de prisão contra ele por conta da Operação Condor, movimento que reunia no século XX as seis ditaduras sul-americanas para eliminar opositores.
Como Espanha, Inglaterra e Chile eram signatários de uma convenção sobre tortura, Pinochet foi detido imediatamente após o pedido e ficou 503 dias na prisão, um fato inédito. Isso também foi o embrião para a criação do TPI, fundado em julho de 2002 sob o Estatuto de Roma e que hoje reúne 124 Estados-membros. Passados quase 22 anos, a atuação do órgão foi marcada por importantes contribuições para punir crimes de guerra e contra a humanidade, mas também acumulou críticas: ter apenas a função de condenar ditadores africanos e algumas figuras do Leste Europeu, principalmente a ex-Iugoslávia.
Mas, nesta semana, um feito histórico marcou a atuação do TPI: o pedido de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, além do ministro da Defesa do país, Yoav Gallant. Entre as acusações estão "causar extermínio" e uso da fome "como método de guerra" por conta do conflito em curso desde outubro do ano passado na Faixa de Gaza. O número de mortos na região já ultrapassou 35 mil.
Ao mesmo tempo que um líder do chamado Norte Global entra no banco dos réus pela primeira vez, a medida também pode trazer um custo alto ao tribunal, que pode ser questionado sobre a efetividade ou não de sua atuação, apontam especialistas. Ainda foram incluídos no pedido de prisão do procurador-chefe do TPI, Karim Khan, duas autoridades do Hamas, Mohammed Diab Ibrahim al-Masri e Ismail Haniyeh.
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Doutora em direito internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professora do Ibmec, Elizabeth Goraieb destacou ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que nesta quarta-feira (22) já ocorreram implicações importantes na geopolítica global após o pedido de prisão no início desta semana: o reconhecimento da Palestina como Estado por Noruega, Irlanda e Espanha em um movimento raro entre os países da Europa Ocidental.
Além disso, a especialista acrescenta que Netanyahu já possui um processo em andamento no tribunal desde 2014 por conta das políticas promovidas contra a população palestina em Gaza e na Cisjordânia.

"Esse pedido jamais seria realizado pelo procurador se não houvesse provas robustas. Todo mundo está vendo vários relatórios, inclusive da ONU [Organização das Nações Unidas], da Anistia Internacional e de vários organismos internacionais […]. Com tudo isso, a Câmara [do TPI] confirma ou não o mandado de prisão que é expedido para todos os Estados-membros, inclusive a Interpol, e a grande consequência disso é que as pessoas [alvo do pedido] ficam reclusas ao seu território ou de países que não fazem parte do tribunal", resume a professora.

Assim como Israel, os Estados Unidos e principal aliado de Netanyahu na guerra contra os palestinos não são signatários do TPI, ao contrário da própria Palestina e de boa parte da União Europeia.

"A guerra é proibida pelo direito internacional desde o fim do século XIX. Temos toda a codificação para haver o mínimo de legalidade em um conflito armado, como o direito de defesa previsto na Carta das Nações Unidas. Entretanto, a legítima defesa tem parâmetros específicos, como o princípio da proporcionalidade. E é isso que tem unido a comunidade internacional diante da morte de milhares de crianças e mulheres, totalmente desproporcionais. A quantidade de bombas que Netanyahu despejou em Gaza nas duas primeiras semanas equivale a duas bombas atômicas", diz.

Seja através de uma possível e difícil prisão do primeiro-ministro em algum país signatário do TPI ou por pressão interna em Israel, Elizabeth Goraieb afirma que o pedido só mostra que o fim político de Netanyahu está cada vez mais próximo, mesmo com o apoio dos EUA.

"Ele não detém a grande maioria [dos eleitores], e a simpatia é cada vez menor dentro de Israel. Inclusive têm sido reprimidas em Tel Aviv as manifestações da oposição de forma violentíssima. Então Netanyahu quer se manter no poder, mas não adianta, vai cair […]. Ele conseguiu mostrar para o mundo que é uma pessoa que comete o mesmo crime que foi realizado contra os judeus anos atrás", declara.

Inclusive nos EUA foram registrados grandes protestos pró-Palestina em universidades, em meio à queda da aprovação do apoio norte-americano ao conflito promovido por Israel.
A especialista lembra ainda que o procurador do TPI chegou a denunciar que membros do tribunal chegaram a ser ameaçados por aliados, mas que há expectativas de mudança no panorama atual.
"Os Estados Unidos deram uma recuada na defesa de Netanyahu há pouco tempo porque eles estão vendo que a situação está trazendo também para eles uma antipatia internacional. Porque é isso o que está acontecendo."
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Quem reconhece a Palestina como país?

Apesar de o TPI já ter declarado que não possui jurisdição nem autonomia sobre a questão, o fato de a Palestina ser um membro da entidade acaba sendo, de forma implícita, um reconhecimento formal do território como um Estado. É o que acrescenta à Sputnik Brasil a professora e doutora em direito internacional pela Universidade Católica de Brasília (UCB), Priscila Caneparo. "Esse é o primeiro ponto, até porque uma guerra internacional é entre dois Estados, e o Tribunal Penal Internacional deixou muito claro que essa é uma guerra Israel versus Palestina [e não Hamas, que é um dos tantos movimentos palestinos]", diz.

A especialista acrescenta que o pedido também vai funcionar como um teste para a credibilidade do tribunal. "Quando o Norte Global é colocado no banco dos réus, na figura do Netanyahu, a gente vislumbra uma virada quase que copernicana do papel do TPI, e acho que é importantíssimo deixar muito claro que isso é uma prova também para a influência e o poderio do Tribunal Penal Internacional. [Ou seja], como vai ficar a eficácia, a efetividade frente ao Norte Global em relação a essa expedição de dois mandados de prisão contra um israelense", enfatizou Caneparo.

Já existem elementos, conforme a especialista, que permitem analisar se a decisão do TPI pode gerar um sentido contrário ao esperado, que é prolongar o sofrimento da população palestina.
"Existia basicamente quase como uma divisão interna em Israel em relação à postura de Netanyahu, principalmente o partido de oposição que fazia parte do gabinete de guerra, que estava se opondo às determinações de Netanyahu na região de Rafah, porque era o único reduto de ajuda humanitária. Começaram a ameaçar se retirar esta semana e, quando veio o pedido de prisão do Netanyahu, eles voltaram atrás e voltaram a se unir", pontua, ao acrescentar que isso deu uma sobrevida ao governo de Netanyahu.

Medida tem mais força moral do que política, defende professora

Para a professora de direito internacional, a medida possui mais efeito moral do que efetividade jurídica prática. "Temos que pensar que toda e qualquer organização internacional, bem como o direito internacional, esbarram na soberania dos Estados. Então obviamente que vai depender de um esforço coletivo, de uma efetividade na base da cooperação internacional para que se veja um resultado prático dessa expedição de mandado de prisão", argumenta.
Outro ponto crítico relatado pela especialista é com relação à inclusão dos líderes do Hamas no mesmo pedido de prisão. A especialista acredita que haveria maior efetividade caso isso ocorresse posteriormente. "Dentro dessa perspectiva, é lógico que foi quase que 'bato com uma mão, agrado com a outra'. Existe a necessidade de imputar responsabilidade ao prospectar responsabilidade para o Hamas? Sim, existe. Porém, eu não acho que o momento foi oportuno. Eu acho que desviou um pouco o foco das ações que não são equivalentes. É importantíssimo deixar claro o que Israel está desenvolvendo dentro do território palestino", afirma.
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O que é o crime de genocídio?

Um dos pedidos que levou o procurador do TPI a solicitar a prisão do premiê israelense foi o movido pela África do Sul contra o país judeu, do qual faz a acusação de um genocídio em curso nas terras palestinas. Porém, o órgão internacional não imputou o crime a Netanyahu. A professora Elizabeth Goraieb lembra que, mesmo com todas as provas robustas colhidas pelo tribunal e o "trabalho impecável" realizado nas investigações, o genocídio é um crime que exige um "elemento subjetivo chamado intenção" de provocar as mortes.

"O genocídio difere dos outros tipos penais porque tem que haver a prova de um elemento subjetivo chamado intenção, que é o dolo. Então, o sujeito, quando mata, extermina, faz deslocamento forçado. São formas de cometer o genocídio. Ele violenta a vítima, transfere crianças de grupo e faz com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, ético, racial ou religioso. Então, a prova do dolo, dessa intenção, é muito mais difícil. Por exemplo, nunca se conseguiu comprovar que [Slobodan] Milosevic deu a ordem para os extermínios dos sérvios", compara.

Já no crime de guerra ou contra a humanidade não há necessidade de comprovar esse elemento subjetivo. "[…] digamos que a tropa vem e atira na população como um todo. Não mira uma etnia, não mira uma raça, não existe um programa do Estado para destruir determinado grupo. Então, no crime contra a humanidade, há um ataque generalizado, sistemático contra uma população civil", finaliza.
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