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Maior dependência do governo x liberdade nas decisões: o que esperar de Galípolo no Banco Central?

© Lula Marques/Agência BrasilEconomista Gabriel Galípolo durante sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal. Brasília, 8 de outubro de 2024
Economista Gabriel Galípolo durante sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal. Brasília, 8 de outubro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 08.10.2024
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Após dois anos de relações tensas e até marcadas por trocas públicas de farpas, o presidente do Banco Central Roberto Campos Neto termina o mandato à frente da instituição ao final deste ano. E nesta terça-feira (8), o nome do sucessor indicado por Lula, o economista Gabriel Galípolo, foi aprovado em sabatina no Senado Federal.
Nome que já era especulado há meses pelo mercado financeiro, o economista Gabriel Galípolo vai assumir o Banco Central do Brasil a partir de 2025 para um mandato de quatro anos — a indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi aprovada pelo plenário do Senado por 66 a 5. Mas antes houve muitos questionamentos: foram mais de quatro horas de sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos, onde Galípolo respondeu sobre temas como independência, relação com Campos Neto, desafios e, claro, combate à inflação e taxas de juros.
Com relação ao governo, Galípolo afirmou que recebeu a garantia de Lula de que terá liberdade para tomar as decisões monetárias, desde que o "desempenho da função seja orientado exclusivamente pelo compromisso com o povo brasileiro".
A fala acontece em meio à tumultuada relação da nova gestão federal após a eleição do petista e do presidente Campos Neto ao longo dos últimos dois anos. Por conta de divergências sobre a taxa de juros no país, que voltou a subir após a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), Lula chegou a falar em desalinhamento do banco "com o desejo da nação", além de se referir a Neto como "insensato e desumano". Já o dirigente afirmou que as falas dificultavam o trabalho do BC.
Na esteira das rusgas com o governo, o economista indicado por Lula também foi perguntado sobre a relação com Campos Neto, do qual afirmou que "sempre foi a melhor possível". Também reafirmou o compromisso de atuar no combate à inflação, principalmente no atual contexto de fortes inseguranças globais. Mas o que esperar da nova gestão no Banco Central? O cientista político e coordenador da pós-graduação em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ernani Carvalho, disse à Sputnik Brasil que Galípolo saberá se portar frente à polarização do país.
"A essa altura do campeonato, ele já deve estar bem familiarizado com as pressões que o Banco Central recebe, seja do ponto político, vindas do governo com relação à inflação e taxa de juros, seja com as próprias obrigações que o presidente do órgão possui. A indicação dele para ocupar uma das diretorias [Política Monetária do Banco Central] foi muito nesse sentido", resume.
Para o especialista, Galípolo também terá como um dos objetivos apaziguar as relações do Banco Central com o governo federal e as suas expectativas, em meio ao atual cenário de aumento das taxas básicas de juros para 10,75% também por conta do aquecimento da economia acima do esperado e temor de alta da inflação. "Por mais que o Galípolo tenha lado político, dificilmente vai colocar em risco decisões técnicas [como presidente da entidade] para favorecer uma perspectiva mais ideológica. Há um grau de responsabilidade envolvida, isso tem a ver inclusive com o próprio debate da autonomia do Banco Central em relação ao sistema de controle das finanças públicas e organização da saúde da economia", pontua.
O economista Gabriel Galípolo ao lado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 08.10.2024
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Por unanimidade, comissão do Senado aprova Galípolo, indicado de Lula para o BC

Qual é o papel do Banco Central?

Para além de garantir o fornecimento adequado à população de dinheiro em espécie e novas tecnologias de pagamento, a exemplo do PIX, o Banco Central atua na regulação do sistema financeiro, política de juros e controle da inflação. Desde 2021, após a aprovação da autonomia do órgão pelo Congresso Nacional, o presidente da entidade passou a ter mandato de quatro anos, iniciado no terceiro ano de governo do presidente da época.
Doutor em economia e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Joseph Vasconcelos lembra à Sputnik Brasil que nos moldes atuais a lei "prevê a possibilidade de ter por dois anos um presidente do Banco Central que não tenha sido escolhido pelo atual presidente da República", como ocorreu com o indicado na gestão Jair Bolsonaro (PL).

"A lei foi criada com o intuito de reduzir a influência política sobre o Bacen, resguardando o mandato do presidente da instituição e de seus diretores, uma vez que após a nomeação, os mesmos não podem ser demitidos pelo presidente sem que haja algum crime ou agravante apontado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Dessa forma, passa a ter maior autonomia e liberdade para perseguir o objetivo fundamental da instituição que de acordo com a lei é assegurar a estabilidade de preços", destacou.

Com relação à atuação de Galípolo, o especialista acrescenta ainda que há outros oito diretores que fazem parte do Copom e garantem que nenhuma decisão é tomada "monocraticamente".
"Isso também reduz o viés individual da presidência da instituição. A entrada dela não garante que as pretensões de política monetária almejadas pelo governo Lula passem a vigorar em sua completude na instituição [...]. No entanto, não podemos deixar de frisar que embora não consiga manobrar a política monetária na totalidade, o governo central, ao nomear o presidente do Banco Central e alguns diretores, estabelece players importantes para atuar em seu interesse junto a instituição, o que eleva sua chance de subjugar a política monetária aos seus interesses".

Autonomia financeira e orçamentária do Banco Central

Atualmente, o Banco Central é uma autarquia vinculada ao governo, mas com autonomia operacional e financeira. Desde o ano passado, está em discussão no Senado a proposta de emenda à Constituição (PEC) que abrange a independência também na parte orçamentária e ainda transforma a entidade em empresa pública, aos moldes do que acontece nos Estados Unidos com Fed (Sistema de Reserva Federal, na sigla em inglês). Para o professor da UFRJ, a gestão de Gabriel Galípolo deve atuar para "desidratar" a proposta.

"Ele e Lula já demonstraram publicamente descontentamento com essa proposta. Entretanto, é importante ressaltar que cabe ao Congresso Nacional o poder de legislar e, diante disso, definir o arranjo institucional do Banco Central. Porém, creio que neste momento tanto o governo Lula quanto o futuro presidente do Banco Central vão reunir forças contra o andamento dessa proposta", resume.

Cartaz segurado em frente ao Banco Central por manifestantes em ato das centrais sindicais pede redução da taxa de juros no Brasil. São Paulo, 18 de junho de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 17.07.2024
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Autonomia financeira do Banco Central: mais interferência econômica do mercado no Brasil?

Juros vão cair no Brasil?

Até o fim do ano, a resposta para o especialista é não. Isso por conta da última ata da reunião do Copom, que aumentou a taxa no Brasil após meses de estabilidade em 10,5%. "Caso não haja mudanças bruscas na conjuntura econômica esperada pelo Banco Central, acredito na manutenção da taxa de juros no patamar de 10,75% e, havendo alguma decisão divergente, a mesma não deve ser muito distante desse patamar. Se houver alguma pressão mais forte para queda da SELIC, a mesma ocorrerá apenas sob o comando do novo presidente Gabriel Galípolo a partir de 1º de janeiro de 2025".
Já o cientista político Ernani Carvalho acrescenta que os acontecimentos internacionais podem mudar totalmente a rota econômica de um país. Isso por conta das dúvidas sobre o Oriente Médio, que pode caminhar para uma guerra total em meio às hostilidades promovidas por Israel.
"É o que aconteceu com o conflito da Ucrânia, que impactou a distribuição de grãos e acabou afetando o preço até o mercado se normalizar, e não veio em uma escalada significativa. Agora no Oriente Médio é outra situação, com uma guerra em escalada e desfechos imprevisíveis que podem afetar o mercado de petróleo. Creio que a maior preocupação do Banco Central será antecipar possíveis bolhas inflacionárias que decorram da disputa", finaliza.
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