Panorama internacional

Sombra alçada pela Rússia motiva discussão da 'agenda zero' pelos EUA na Venezuela, dizem analistas

Presidente russo, Vladimir Putin, com seu homólogo venezuelano, Nicolás Maduro
Em uma reviravolta geopolítica, Venezuela e Estados Unidos estão discutindo um novo início para as relações diplomáticas. Chamado de "agenda zero", esse recomeço pode significar não só um novo horizonte para Caracas, mas para a América Latina inteira, apontam especialistas.
Sputnik
A "agenda zero", discutida pelo presidente venezuelano, Nicolás Maduro, e pelo enviado especial da Casa Branca Richard Grenell, foi o tema do episódio desta terça-feira (11) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.
#551 Mundioka
Mundioka
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O que é a 'agenda zero'?

No final de janeiro, Richard Grenell visitou Caracas para se encontrar com o presidente Nicolás Maduro e o líder da Assembleia Nacional, Jorge Rodríguez, no Palácio de Miraflores. Na reunião foi proposto um recomeço para as relações diplomáticas entre os países.
A notícia foi bem recebida por Maduro, que abraçou a oportunidade para virar a página e esquecer o passado de sanções aplicadas ao país.
"E qual é a política que eu pratiquei com os Estados Unidos? Eu diria diálogo, respeito e entendimento […], sempre pronto para virar a página e estabelecer relações de respeito […]. Então espero que esse seja o rumo, o destino das nossas relações", disse durante entrevista ao jornalista espanhol Ignacio Ramonet.
O rei saudita, Salman bin Abdulaziz Al Saud, presenteia o presidente dos EUA, Donald Trump, com a mais alta honraria civil, o colar de Abdulaziz Al Saud, no Palácio da Corte Real, em Riad, Arábia Saudita, em 20 de maio de 2017
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Ao programa, a professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Carolina Pedroso destacou que, se o diálogo for bem-sucedido, a Venezuela pode ver o retorno de "alguns recursos vitais que foram tomados ao longo desses últimos anos".
É o caso do controle da Citgo, refinaria e distribuidora subsidiária da estatal Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA) localizada nos Estados Unidos. Em 2019, o governo norte-americano congelou os bens da empresa e impediu que o lucro fosse enviado a Caracas, retendo um total de US$ 10 bilhões até o ano passado.
O caso da empresa é ainda mais emblemático pois serve de exemplo para o maior rol de sanções aplicadas contra a economia do país sul-americano, que foram recrudescidas justamente sob o primeiro governo Trump.

"Então, se eventualmente essa agenda zero for bem-sucedida em pelo menos destravar o setor petroleiro, retirar o setor petroleiro desse cerco econômico, a expectativa da Venezuela é que haja um impulso importante para a recuperação econômica que o país tem visto."

Em que a 'agenda zero' interessa aos EUA?

Se por um lado as vantagens para a Venezuela são evidentes, as para os Estados Unidos são menos claras. Ao Mundioka, o professor de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Williams Gonçalves elucidou essa questão.
O especialista sublinhou que logo antes da visita de Grenell ao Palácio de Miraflores, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, havia revogado a extensão do Estatuto de Proteção Temporária (TPS, na sigla em inglês), oferecido aos migrantes venezuelanos no país.
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A medida permitia que venezuelanos residissem e trabalhassem no país por mais 18 meses sem medo de serem deportados. Em resposta, a Venezuela concordou em receber voos de deportados, facilitando as políticas anti-imigração de Trump.
Mas esse avanço não é o único benefício que os Estados Unidos tiram da agenda zero. "São duas questões-chave: petróleo e imigração", diz Gonçalves.
A política estadunidense para a Venezuela está dividida em dois campos, dizem os analistas. O primeiro é o liderado por Marco Rubio, atual secretário de Estado e ex-senador do Partido Republicano pelo estado da Florida.
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O político, de origem cubana, representa os interesses latino-americanos contrários aos dos governos de esquerda no continente. No entanto, disse o professor, se por um lado costumam apoiar opositores — como foi o caso de Juan Guaidó e Edmundo González —, por outro também são ferrenhamente contra a imigração.
O segundo é liderado pelas petroleiras como a Chevron, que atuam na Venezuela através de joint ventures com a PDVSA. O país possui as maiores reservas comprovadas de petróleo, fazendo dele um ponto focal necessário nas conversas de segurança energética para todos os atores globais.

"Esse pessoal [empresariado norte-americano] diz: 'Olha, não podemos ficar privados do óleo da Venezuela, porque os chineses, os russos e os iranianos já negociam com eles'."

Um reposicionamento global dos EUA

Em seu segundo e último mandato, Trump retorna à Casa Branca com "ideias novas" e "mais atento às mudanças pelas quais passa o sistema internacional", aponta Gonçalves. Entre elas está o compromisso de Trump com reposicionar os EUA no tabuleiro geopolítico.
"Me parece que o Trump considera que não há como os Estados Unidos lutarem para se manter em posição hegemônica", diz o especialista ao programa, ressaltando que as manifestações do presidente norte-americano, até mesmo as mais "estapafúrdias", apontam para esse sentido.

"Dão a entender que ele considera que a multipolarização do sistema internacional de poder é irreversível."

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Dentro desse novo contexto global de multipolaridade, Trump prepara os Estados Unidos para assumirem um novo papel dentro da sua área de influência: as Américas. "E isso ele deixou claro, do norte do Canadá e da Groenlândia até o Polo Sul."
Nesse sentido, o fechamento das portas para a Venezuela prejudicou justamente a posição dos norte-americanos no continente. E, em seu lugar, a Venezuela pôde construir relações com outros países, como Rússia, China, Irã e Turquia, em certo grau, conseguindo se manter autônoma em relação a Washington.
Hoje, diz Gonçalves, Maduro tem poder de barganha graças à sombra projetada pela Rússia e pela China. "Principalmente da Rússia."
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