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Analista: Brasil deu passo importante no direito internacional para 'impedir impunidade em Gaza'

© AP Photo / Tsafrir AbayovSoldados israelenses trabalham em um tanque em um campo de concentração perto da fronteira israelense com Gaza, no sul de Israel, 9 de outubro de 2023
Soldados israelenses trabalham em um tanque em um campo de concentração perto da fronteira israelense com Gaza, no sul de Israel, 9 de outubro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 14.01.2025
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O direito internacional não está dando a Israel nenhuma autorização para cometer crimes de guerra na Faixa de Gaza, é só que os instrumentos legais não estão funcionando de acordo com o design que foi adotado após a Segunda Guerra Mundial, disse à Sputnik o professor e pesquisador Manuel Becerra Ramírez.
Yuval Vagdani, um reservista das Forças de Defesa de Israel (FDI) em férias no Brasil, fugiu para a Argentina no início de janeiro, momentos depois de o Ministério das Relações Exteriores de Israel alertá-lo de que um tribunal brasileiro havia ordenado a abertura de uma investigação sobre seu suposto envolvimento em crimes de guerra na Faixa de Gaza.
Segundo a imprensa, o pedido da Justiça brasileira é resultado de uma denúncia da Fundação Hind Rajab, instituição sediada na Bélgica que atua internacionalmente, denunciando soldados das FDI por suas ações nos territórios palestinos ocupados.
A fundação denunciou soldados israelenses na Tailândia, Sri Lanka, Chile e em outros países. Em outubro do ano passado, também processou mais de 1.000 soldados das FDI perante o Tribunal Penal Internacional (TPI).

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A Sputnik conversou com Manuel Becerra Ramírez, pesquisador emérito do Sistema Nacional de Pesquisadores (SNI) e professor da Faculdade de Direito da UNAM, para saber mais sobre a relevância e o alcance das ações judiciais movidas pela Fundação Hind Rajab contra soldados israelenses no exterior.
O acadêmico mexicano observou que, após mais de 15 meses de bombardeios israelenses contra o enclave palestino — através dos quais o país hebraico matou mais de 46.000 pessoas, a maioria mulheres e crianças — os instrumentos legais adotados pela comunidade internacional após a Segunda Guerra Mundial não está funcionando para impedir o genocídio contra o povo palestino.
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Becerra Ramírez acrescentou que, após a conflagração mundial iniciada em 1939 e finalizada em 1945, a comunidade internacional desenhou uma série de mecanismos legais para impedir a repetição de crimes de guerra, crimes contra a humanidade, genocídio, entre outros, por serem considerados muito graves.
Um desses mecanismos, comentou o pesquisador, é o princípio da jurisdição universal, que confere jurisdição aos membros da comunidade internacional, signatários de tratados internacionais de direito penal internacional, "para efetuar uma prisão, naturalmente com elementos – como é o caso sendo feito neste caso — para que possam ser julgados pelos tribunais, mesmo que naquele momento, ou melhor, naquele lugar, aqueles crimes não tenham sido cometidos".

"A ideia é que não haja impunidade e, graças a isso, por exemplo, as autoridades israelenses parecem ter esquecido que os alemães que cometeram crimes durante o Holocausto foram levados a julgamento", disse o professor Becerra.

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Questionado sobre as razões pelas quais parece que, apesar da existência de leis internacionais, o país hebraico parece ter permissão para cometer crimes de guerra na Faixa de Gaza impunemente, Becerra Ramírez esclareceu que não é a legislação internacional que lhe está concedendo permissão para Tel Aviv agir como faz no Oriente Médio.

"Na realidade, o direito internacional não está concedendo nenhuma autorização [a Israel], o que está acontecendo é que os instrumentos legais não estão funcionando e isso se deve ao desenho que foi adotado após a Segunda Guerra Mundial", disse Becerra.

Para desenvolver sua premissa, o pesquisador lembrou que, graças ao princípio da jurisdição universal, um jurista espanhol solicitou a extradição do ditador chileno Augusto Pinochet para julgá-lo por seus crimes contra a humanidade durante o regime militar (11 de setembro de 1973 a 11 de março de 1990).

"O caso Pinochet é emblemático porque, justamente, a jurisdição universal foi utilizada por meio do pedido feito a um tribunal espanhol para julgar Pinochet", argumentou o pesquisador.

"Naquela época, 1998, ele [o ditador Augusto Pinochet] estava no Reino Unido e lá um juiz, Baltasar Garzón, ordenou que Pinochet fosse preso para julgamento, com base em uma reivindicação de jurisdição universal que ele tinha na Espanha", lembrou.
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No entanto, ele observou que, depois que o pedido de prisão de Pinochet se tornou público, o governo dos Estados Unidos reagiu para proteger seus funcionários e militares, aproveitando sua posição como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU (CSNU).
"Este caso, em que Pinochet acabou sendo solto, mas por outros motivos, não porque fosse considerado inocente, também é um divisor de águas no direito penal internacional e, depois disso, houve uma reação por parte dos Estados Unidos", disse Becerra Ramírez.

"A jurisdição universal estava sendo ativada em vários tribunais — na Europa, por exemplo — e isso colocou os Estados Unidos em perigo porque muitos dos seus funcionários, em determinada altura, como o senhor [Henry] Kissinger, que foi secretário de Estado dos Estados Unidos, foram um dos promotores do golpe militar no Chile", continuou.

Em outras palavras, os Estados Unidos reagiram "como sempre, com grande arrogância, considerando que a jurisdição universal — e essas foram as palavras de Kissinger — era a ditadura dos juízes".
"Os Estados Unidos começaram então a forçar os Estados a fazerem mudanças [na sua legislação interna], não aceitaram o Estatuto de Roma e, além disso, estabeleceram perante o Conselho de Segurança uma, digamos, proteção para todos os seus soldados. Isso foi promovido pelos Estados Unidos", explicou o doutor em direito.

Segundo o professor Becerra Ramírez, para apelar à jurisdição universal não basta fazer parte dos tratados internacionais mencionados, mas é necessário que os Estados também contem com legislação interna.

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"É por isso que este caso é importante, porque há outros países que também podem usar a jurisdição universal" para impedir o genocídio que Israel está perpetrando em Gaza, reiterou o acadêmico. Ele observou que, "além disso, isso não é agir contra a lei, o que está sendo dito é: cumpra o direito internacional".

"Aqui [o direito internacional] deve operar e parar uma guerra que, é claro para todos nós, nunca foi uma defesa legítima, mas é genocida e, além disso, expansionista. Essa é a questão e a comunidade internacional de gente pensante está muito preocupada com o que está acontecendo", disse Becerra Ramírez.

Ele acrescentou que a denúncia apresentada pela Fundação Hind Rajab — que leva o nome de uma menina palestina de cinco anos morta por Israel — e a investigação subsequente iniciada pela Justiça brasileira são passos muito importantes, pois constituem uma mensagem para o mundo inteiro que aqueles que cometem tais crimes serão processados.

"Obviamente, este ato é muito importante, embora tenha falhado até agora, mas é uma mensagem para a comunidade internacional de que esses tipos de crimes são perseguidos por esta via de jurisdição universal e que qualquer suposto criminoso pode ser preso por essa via", disse o professor Ramirez.

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