Panorama internacional

Preferência verdadeira ou medo de disputas internas: o que leva Lula a apoiar Biden?

Enquanto alguns líderes da América do Sul se posicionam a favor de Joe Biden na corrida eleitoral norte-americana, outros se calam diante das eleições nos Estados Unidos. Em um mundo em que a posição hegemônica dos EUA é cada vez menor, o que leva cada líder a adotar uma ou outra posição?
Sputnik
A preferência pela vitória do Partido Democrata, o atual presidente Joe Biden, não é escondida pelo chefe de Estado brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. A mesma é adotada por Gustavo Petro, ainda que o líder colombiano peça pela substituição de Biden por um candidato democrata com maiores chances de vencer o opositor, o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump.
As declarações desses líderes sul-americanos, no entanto, foram feitas de maneira hermética e completamente isoladas de demais líderes do continente, sejam de esquerda ou direita. A presidente do Peru, Dina Boluarte, do Paraguai, Santiago Peña, do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, do Chile, Gabriel Boric, da Bolívia, Luis Arce, do Equador, Daniel Noboa e da Venezuela, Nicolás Maduro, não se posicionaram.
A única exceção foi o presidente da Argentina, Javier Milei, que declarou em entrevista ao canal Univision que os Estados Unidos são "um país aliado, independente de ser governado por um democrata ou um republicano".
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Ricardo Leães, cientista político e professor de relações internacionais na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), diz que o comportamento de silêncio da maioria dos presidentes sul-americanos é o "mais convencional", sobretudo por se tratarem de "países periféricos".
"Lula e Petro destoam da média do que os outros, tão desalinhados com o padrão internacional."
Por sua vez, afirma o professor, a postura de Milei foi surpreendentemente sincera, "no sentido de que ele vai ser aliado de qualquer um dos presidentes dos Estados Unidos".

"Nesse ponto, talvez ele tenha sido até mais coerente do que foi o [ex-presidente Jair] Bolsonaro, que nem reconheceu a vitória do Biden, o que foi algo absolutamente sem precedentes na nossa história."

Quem governa os EUA importa para a América do Sul?

"Tanto faz um republicano como um democrata para a América Latina", diz Heitor Erthal, doutorando em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas e pesquisador do Observatório do Regionalismo (ODR).
Segundo o especialista, tanto o Partido Democrata quanto o Partido Republicano têm a mesma percepção do papel que a América Latina tem no sistema internacional "e para os interesses dos Estados Unidos" em relação ao continente.
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No entanto, apontam os analistas, se as atitudes dos Estados Unidos para o resto do continente americano não mudará conforme a gestão, quem administra a Casa Branca ainda pode ter influência enorme nos movimentos políticos globais.
Donald Trump é um "partícipe" muito proeminente da ascensão da extrema-direita mundial, crava Leães.

"Sua vitória ou derrota acaba tendo impacto no sentido de legitimar esses movimentos e fortalecê-los. Esse é o maior efeito que teria para a América Latina a vitória dele ou, mesmo, a sua derrota."

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A vitória de Trump em 2016 foi "muito importante para a extrema-direita", diz Erthal, e se ele vencer "vai dar um novo ânimo para essa galera que agora perdeu um pouco de força com a eleição francesa […], assim como um governo trabalhista na Inglaterra".
Nesse sentido, vê Leães, o posicionamento de Lula e Petro tenta "mostrar apoio a uma candidatura democrata porque sabem que, dado o avanço da extrema-direita no mundo, a vitória de Trump vai sem dúvida fortalecê-los".

"E aumentar a chance de que eles obtenham sucessos eleitorais aqui na América Latina também."

A opinião é compartilhada por Erthal, que vê as falas de Lula muito mais relacionadas "à polarização política atual do que uma preferência ideológica ou alguma questão mais íntima que ele tenha com o governo democrata".
O pesquisador ressalta ainda que esse cenário interno é, de fato, o mais determinado para o apoio de Lula a um dos candidatos, uma vez que internamente as eleições norte-americanas não têm mais o poder de determinar a política doméstica brasileira.
Os Estados Unidos hoje não possuem mais o mesmo poder que detinham nas décadas de 1980 e 1990, "porque hoje podemos pensar o sistema internacional a partir de vários polos de poder", sublinha Erthal.
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O Estado brasileiro hoje não está mais dependente dos EUA para pensar em "grandes projetos de infraestrutura […], pegar empréstimos, cooperar de alguma forma para fazer mudanças revolucionárias dentro do próprio país".
Na configuração atual do sistema internacional, "temos China rivalizando com Estados Unidos", destaca. "Tem Índia que está crescendo cada vez mais, que também está se tornando uma parceira comercial cada vez mais importante, tem uma ampliação do BRICS […], e o próprio Brasil se relacionando mais com países da Ásia e do Sudeste Asiático."

"Essa configuração multipolar não dá aos Estados Unidos o peso que já tiveram para os rumos da política doméstica dos países da nossa região, dos nossos vizinhos."

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